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Achei divertido o comentário que uma colega da disciplina de iluminação fez ontem - ela é mineira de Juiz de fora: Salvador fica engraçada com chuva... fica assim bagunçada.

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Agora de manhã fez um dia de chuva tão bonito que não resisti e fui fotografar - mesmo com centas coisas pra estudar me empurrando no assento dessa cadeira.
Fiquei na porta e na janela de casa.




























Pretensão zero das fotos serem bonitas ou sei lá. São só registro de cenas queridas.
Clicar nas fotos pra vê-las ampliadas.

Mistérios e Belezas do País Vasco

Publicado na coluna Satélite da revista Muito [jornal A Tarde] do dia 12 de outubro de 2008.



Texto e foto: Nina Neves (Labfoto)

O País Vasco, uma das 17 províncias da Espanha – a mais separatista delas –, está localizado no norte e tem paisagens naturais realmente bonitas. Entre os povoados de Bakio e Bermeo, na costa, estão as pequenas ilha e igreja de San Juan de Gaztelugatxe. Nesse caso, o difícil de acreditar é que se tenha construído uma igreja lá em cima: ela está ligada ao continente por uma estreita trilha com 230 degraus de pedra irregular. Em euskera, o primeiro idioma oficial do País Vasco, Gaztelugatxe quer dizer algo como castelo de pedra.

Para chegar até lá se pode ir de carro ou a pé. Fazer a caminhada beirando a estrada não é problema pois os motoristas costumam ser educados. O melhor caminho é sair de Bakio, que está só a 3 km, aproximadamente, da ilha de San Juan.

O sino da igreja pode ser tocado pelos visitantes e a suas badaladas atribuem-se poderes medicinais e mágicos – mas a verdade é que todo o lugar é encantador. Num canto, encontra-se um banheiro tão primitivo que os dejetos caem direto no mar, conduzidos pelo buraco no chão. Há também uma pequena casa equipada com churrasqueira, elemento que não pode faltar em qualquer bom passeio Vasco. Uma ótima idéia é subir com saco de dormir, vinho, violão e petiscos e passar a noite lá. Se for verão, ainda dá pra ir colhendo amoras pelo caminho e depois comer rezando.


Marcelo Camelo: ontem, dia 28, na Concha Acústica do TCA.



Foto: Álvaro Andrade

Eu fui pro show de Marcelo Camelo sem ter ouvido o cd dele (sou/nós). Antes de começar, discuti com meus amigos sobre quem seria o público, minha teoria era que seria o mesmo público dos Loser. Pois o show mal começou e deu pra entender tudo: as pessoas à minha volta sabiam as letras de cor. É bem o fanatismo fiel fidelíssimo típico.

Talvez por não conhecer as músicas, me mantive afastada o bastante pra observar outro tipo de coisa: a disposição dos músicos no palco era diferente, em semi-círculo com o banquinho de Camelo no centro; sem cenário, a luz amarelada compunha um espaço aconchegante pela cor quente; e tudo junto sugeria um clima mais intimista, mais sossegado. Por algumas vezes, o refletor de Camelo ficava apagado e colocava a banda Hurtmold em evidência.

A banda, por sinal, é fantástica, os caras tocam muito, mas é engraçado como os instrumentos de sopro dão um quê do 4 a uma música ou outra. Acredito é que Camelo continua fazendo um som losermanístico, enquanto Amarante despirocou na viagem rocker dele. Mas deixemos o ruivo de lado... O xilofone me chamou atenção, é vez por outra uma resposta doce à voz grave de Camelo.

E foi indo tudo muito bom, tudo muito bem, o público delirando em faixas como Solidão (em que mal se podia ouvir o assovio de tanta gritaria) e Liberdade – que o a baiano tanto abriu nessa noite –, mas foi quando Camelo resolveu tocar Morena que a Concha veio abaixo – e eu comecei a não gostar da história. Foi triste ver a Morena desacompanhada, sem a guitarra puladinha que dá ânimo. E pior ainda ouvir a platéia inteira atropelando Camelo, sem paciência de entrar na versão mais lenta que cabia ao voz-e-violão daquele momento. Aliás, essa impaciência do público era notável nas intros mais longas das músicas, ficava um clima tenso, de “começa logo a letra”. Aliás, eu acredito que o público de Los Hermanos vai aos shows muito mais pra ouvir sua própria voz, pra entrar nesse êxtase coletivo, sair febrilmente feliz porque Camelo ou Amarante disserem “vocês são foda”. E aí realmente não tem jeito, nego não canta junto, curtindo a voz do cara, nego berra.

Camelo ainda tocou mais três composições suas da época dos Loser. Pode ser um erro colocar no repertório músicas da banda já que ele está desenvolvendo um trabalho novo agora, ainda que parecido. A verdade é que o público não é necessariamente o mesmo, Marcelo Camelo sozinho pode abranger um público mais maduro e menos dançante, aí fiquei na dúvida se ele quer isso. E ele também delirou com o coro da platéia, disse coisas como “vocês me emocionam” e fez coração batendo por debaixo da camisa, mas não falou nada dos “uh, Los Hermanos” que pipocavam a todo tempo de um lado e outro da Concha. Considero essa mistura perigosa, ele pode correr o risco de não conseguir se desvincular da banda e ter uma carreira de fato solo.

Camelo fez o primeiro bis anunciado de que já tive notícia: pediu um tempo pra tomar uma cerveja e voltar. Ele é um fofo, as composições novas são deliciosas, mas não devia confiar muito nos gritinhos do público soteropolitano. Até agora não sei se a histeria pós A Outra foi pela felicidade em cantar uma letrinha tão conhecida ou por conta do pedacinho de barriga que Camelo se deixou mostrar ao levantar os braços em agradecimento.

Camelo não frustrou seu público cativo, aqueles que foram esperando ouvir Los Hermanos, no fundo, no fundo. Mas eu, que queria a novidade, saí insatisfeita pelas músicas repetidas e principalmente pela gritaria habitual. Ele podia ter fechado com um “eu (ainda) sou o que vocês são”.

Ouça Marcelo Camelo em: http://www.myspace.com/marcelocamelo



escrevi o texto abaixo na intenção de publicar na coluna Satélite, da revista Muito, mas como já tinha saído um com quase o mesmo tema, ele vem pra cá. :)


Cafés escondidos na Rambla
de Barcelona

Texto: Nina Neves  Fotos: Divulgação e Nina Neves (Labfoto)

Um passeio pela Rambla, uma das ruas de maior atração turística de Barcelona, pode guardar muito mais do que as já esperadas estátuas vivas e o monumento de homenagem a Colombo ao final. No último quarteirão, à esquerda, há um discreto portal que indica o Museu de Cera. Ao passar pelo corredor estreito, típico do bairro Gótico, chega-se ao pátio que dá entrada para o Museu e ao verdadeiro tesouro desse lugar: dois cafés.

O primeiro, Passatge del Temps, tem uma atmosfera completamente desligada da Rambla que está logo ali: é um lugar tranquilo, na penumbra, decorado com origamis gigantes, lustres raros, um quadro de borboletas e algumas estátuas de cera que se fazem de clientes. A idéia é sentar-se, perdendo-se nas dobras do tempo e dos origamis, tomar um café e "picar" um bocadillo de jamón (sanduíche pequeno com presunto curado). Para os que preferem doces, tem sempre cañas (rocambole de massa folhada) recheadas de creme e cobertas por raspas de amêndoas.

Passando para o salão seguinte, o visitante se vê num lugar ainda mais peculiar, o Bosc de les Fades. Como o nome sugere, é um cenário de conto de fadas. A luz baixa contribui com o clima de floresta criado por árvores, cachoeirinhas e seres mágicos. Quem passa muito tempo ali dentro, distraído pela sangria ou cerveja, pode acreditar que está mesmo numa gruta, onde crescem musgos e estalactites por todos os lados. Mas aproveitam mais os clientes que levantam dos bancos de madeira e exploram o lugar ou papeiam no balcão. Depois de algumas horas ali, ninguém vai estranhar se você sair sacudindo o pó de pilimpimpim da roupa.



PASSATGE DEL TEMPS /
EL BOSC DE LES FADES
Ptge. Banca, 5, Barcelona. Tel. 93 317 26 49
Horário de funcionamento: 10:00 a 01:00h.
Finais de semana até as 02:00 h.
METRÔ: L3 verde - Drassanes, saída Rambla
ÔNIBUS: 14 - 18 - 36 - 38 - 57 - 59 - 64 - 91

Hamam - o banho turco



11.06.2008_

Antes que as memórias comecem a se apagar eu preciso escrever, Não posso correr o risco de esperar a inspiração chegar.

Pois então, é que eu fui no banho turco, o Hamam, lá em Marrakech. Lahcen, nosso querido guia, nos explicou antes que o processo consistia em um lugar com várias saunas, umas 4, ligadas através de um corredor, a do fundo mais quente até chegar na da entrada, a mais fria. Ele nos falou da parte masculina, que é o que conhece: os meninos deveriam ficar de cueca, comprar um sabão artesanal e ir para a sala mais quente. A idéia é que os poros abram para que a pele morta saia através de um gomage - uma espécie de esfoliação - que alguém te faz.

Certo, tudo entendido, nos encontramos aqui fora em meia hora. E lá fomos nós pro lado das moças, nós 3, meninas ocidentais e ocidentalizadas. Eu estava confiando no meu francês tosco para fazer qualquer comunicação necessária - afinal ele tinha me servido bem nos dias anteriores.

Não poderia ter fotografado aquele ambiente porque as moças transitavam ali vestindo apenas calcinha e um elástico que prendia os cabelos, mas tentarei descrever. O ar era umidamente pesado por causa das saunas, os azuleijos da entrada eram azuis e cobriam as paredes até o teto, havia um balcão sem ninguém detrás, uma senhora muito velhinha e encurvada debulhava feijões verdes à minha esquerda (lembrando uma senhora que faz a mesma coisa no Garcia, perto do Bradesco). Logo adiante tinha outra velhinha detrás d'uma mesa baixa vendendo os sabonetes (a 2 dirhans* cada) e outras coisas que não identifiquei. Ela estava no limite entre o primeiro salão e uma outra sala menor, entendi que era ali onde as mulheres deixavam seus pertences e também se despiam e vestiam. Tinha bastante gente até, e era um lugar bem iluminado.

Eu fiquei meio atordoada nesse primeiro momento, tentando administrar tantas informações novas, tantos preconceitos querendo vir à tona, cheirando o ar para ver se algo me diria pra sair dali e ainda lidando com a responsabilidade pelas outras duas, já que eu era o canal de comunicação.

Não sei se nos pusemos caras de nojinho ocidental ou de surpresa, mas sei que causamos sensação, me senti muito gringa, todas nos olhavam. Tentei buscar com quem falar, a administradora do negócio, até entender que aquilo ali não era exatamente um negócio. Perguntei à velhinha dos feijões o que devíamos fazer ou algo parecido, ela não me entendeu bem, mas tentou responder, só que o francês dela me era incompreensível. Tentei o contato com outras: nada. O francês delas era árabe. Aí uma mocinha mais ou menos da nossa idade percebeu nossas caras de "como é que faz?" e veio nos ajudar. Explicou que a gente devia deixar nossas coisas ali naquela salinha, pegar um sabão e um balde e entrar; pagaríamos no final. Eu agradeci, ela se despediu. Tinha uma cara fresca e limpa, de quem acaba de tomar um banho dos bons. Já estava vestida, os cabelos molhados presos, saiu.

Deixamos nossas coisas juntas num vão da parede, pegamos nossos sabonetes - eles eram amarronzados, com cheiro daquele sabão de roupas amarelo e molinhos, deviam ter gordura animal... Antes de alcançarmos nossos baldes, veio de lá uma mulher (só de calcinha, como todas) e nos perguntou se queríamos o gomage, que isso só nos custaria 3 dirhans. Nos olhamos. Rapidamente trocamos informações, já não lembro se faladas ou só olhadas, e dissemos que não, obrigada, só queríamos o banho mesmo. Sim, a verdade é que a idéia de ter uma pessoa estranha, naquele lugar raro, nos esfregando o corpo não nos agradou muito. Agora eu vejo que fomos bobas, fresquinhas mesmo, que afinal de contas tanta gente paga muitíssimo mais que 3 dirhans por uma massagem. Mas naquele momento, na falta do guia, nos sentimos inseguras.

Pegamos nossos baldes e entramos no primeiro quarto, demoramos um tico pra entender o processo, que deveríamos ir até o final do corredor, para o quarto mais quente. As meninas não aguentaram o calor e paramos na penúltima sauna. Enchemos nossos baldes de água bem quente e tomamos banho com o sabão artesanal. A moça que o ofereceu o gomage me mandou tirar o sutiã, eu obedeci, claro. No chão dessa sala estavam umas três mulheres deitadas sobre suas esteiras sendo esfregadas vigorosamente por outras mulheres com uma buchinha. Pensamos aliviadas que realmente tinha sido melhor não optar pelo gomage, que já pensou, elas esfregam essas buchas em todo mundo...

E fomos seguindo pelas saunas até terminar nosso hamam. A sensação foi realmebte gostosa, mas me faltou a esfregação pra sentir a limpeza até a alma.

Enquanto nos vestíamos percebi que velhinha do sabão vendia também xampú, condicionador e... A bucha. A bucha não era reaproveitada, podíamos ter comprado as nossas. Como fez falta ter um guia ali!

Na saída, a moça que nos ofereceu o gomage se despediu e disse algo, meio em francês meio em árabe meio em gestual universal, como "vocês são uns pitéis!". hehe

Tomamos um suco de laranja (natural! hmmm) enquanto esperávamos os meninos. Eles saíram metidos com suas peles de pêssego. Me prometi que quando voltar no Marrocos faço um hamam completo.


*1 euro vale aproximadamente 11 dirhans.


Os meninos estão convidados a comentar a experiência deles, se quiserem, claro. :)

A foto que não tirei

03.05.2008_

Sentada no no assento azul do RER de Paris, na minha frente meu anfitrião, amigo de infância, do lado de fora um dia inacreditavelmente ensolarado. Olho pros bancos do outro lado do corredor e vejo uma moça muito bonita no ponto antípoda ao meu. Cabelos cuidadosamente cacheados, argolas grandes, ela fala distraidamente no celular.

Do outro vagão vem um cara esfarrapado, com sacolas plásticas penduradas nas mãos e nos braços e voz de choro, pára ao lado e atrás de onde está sentada a moça. Ele começa o discurso típico de pedintes, faz que limpa lágrimas, fala dos filhos que ninguém acredita que realmente tem.

A moça desliga o telefone e logo apita a chegada de uma mensagem. Eu enquadro os dois num quadro meio torto, mas que serve. Ela dá um sorrisinho de satisfação ao ler o que veio, o mendigo estende a mão. Faço click.

Passando a limpo sentimentos antigos de outro dia

30.04.2008_

Não me sinto pronta pra voltar ao european way of life. Fico querendo me vestir de Marrocos (ou Marrakech) pra ver se volto no tempo, fico querendo não sentir os cheiros daqui, não ver as caras bascas, busco um grãozinho de areia em algum canto do meu corpo e roupas.
Essa sensação de não pertencimento aos lugares em que estou já é velha conhecida. Mas lá no deserto, um lugar tão grande, tão especial, onde não vi bandeiras e cercas fincadas*, me senti dele e ele meu.
O deserto não é deserto. Com o passar das horas aprendi a reconhecer os donos das pegadas na areia, a ter a areia como parte de mim, a tornar meu coração cheio de deserto.

* Esse sentimento veio na ignorância do conflito pelas terras do deserto, mas é justificável, porque a falta de limites e marcas visíveis naquele território dá uma sensação de liberdade que é real, muito real.

Da volta Marrocos - Espanha


29.04.2008_

Ouvindo a conversa de duas pessoas no ônibus de volta a Bilbao (do caminho Tanger - Madrid, Madrid - Bilbao): o cara faz algum trâmite de documentos para africanos, a mulher fala de uma associação em Sevilla, chamada Acoge, acho. Coincidência que depois de atravessar o estreito meu tema continue na África...

A moça loira ao meu lado é bilbaína, mas vive em Ceuta (cidade espanhola em território marroquino). Trabalha voluntariamente em uma associação lá para arrecadação de fundos destinados a todo Marrocos. Depois de eu conseguir superar a curiosidade passiva e fazer um primeiro contato, ela me diz que existem centros que acolhem crianças marroquinas em toda Espanha, mas em Ceuta e em Melilla (outra cidade espanhola também em território marroquino) não, então sua associação busca isso.

A moça loira com calça marroquina me explica que o Sahara era propriedade espanhola durante a ditadura franquista. Franco, praticamente já em leito de morte, resolveu "regalar" o Sahara ao Marrocos, o problema é que na parte sul do deserto viviam os que aqui chamam sauharis - o que chamaríamos saharianos em português, creio - e logo começou uma guerra pela posse das terras. Grande parte dos sauharis morreu, quem sobrou se refugiou na Argélia. Hoje esses refugiados de guerra vivem dependentes de ajuda humanitária.

Minha companheira loira, que aqui se chama Maite (um nome basco para dizer carinho, ou algo do gênero) e lá se chama Maria - e prefere ser essa, crê que a Espanha deveria ajudar mais o Marrocos porque "estamos tão perto e essa confusão é um pouco nossa resonponsabilidade".

Penso até que ponto esse tipo de sentimento de culpa move os espanhóis a "adotar" crianças africanas para férias, situação que sempre costuma acontecer por aqui, pelo que já soube. A Acoge, que acreditei ter ouvido quando comecei a prestar atenção na conversa de Maite-Maria, deve ser uma das instituições que promove esse tipo de ajuda às famílias africanas. Fica aqui a promessa de procurar saber como se dá esse tipo de processo.

Estivemos poucos dias no Marrocos, em poucos lugares - quero dizer que tenho poucas referências, mas, de tudo que vi, não tive motivos pra sair de lá com pena daquele povo, não mesmo. Existe muita pobreza, mas nada que me chocasse de verdade. Pelo caminho do trem de Casablanca a Marrakech vi cidades muito pobres, ruas descalçadas e meninos descalços jogando bola na poeira do barro como em qualquer cidade do interior da Bahia. Tirando a tapeçaria vez por outra pendurada nas janelas, uns mosaicos e telhados diferentes, poderia ser Jequié ou bairros altos de Conquista. E vejam bem que pelo menos eu estava num trem! Há linhas de trem cortando o Marrocos de cima a baixo. O único trem que já estive na Bahia foi o Calçada-Paripe em Salvador, sabemos que suas condições são realmente ruins.

O contraste mais evidente que vi foi o dos telhados: baixinhos, estão quarados de antenas parabólicas e, a la vez, pedras segurando as bordas das telhas de eternit. Mas, bem, as pessoas com quem tive contato me pareceram felizes, na medida do possível, felizes. O sorriso vem fácil, vêm olhares envergonhados, curiosos, mas humanos, tão humanos como não vejo nas ruas de Bilbao, em que as pessoas passam, não se olham, não se tocam, não se falam. Lá senti que não hacía falta falar, era bastante olhar e ver que tinha gente ali.



Foto modificada a pedido de meu pai.

Mais fotos em: http://picasaweb.google.com/ninaneves/Marrocos

Uma madrugada, o mesmo trem

05.04.2008_ Num dia de solidão doída.

Nesse trem - e nunca pensei que começaria uma frase assim - das 2 e pouca da madrugada, tenho como maior companhia minha respiração. Sobe e desce em minha barriga, chacoalha no embalo dos trilhos e diz, insiste em dizer, que sou só eu. Muito ruído alheio, isso sim. Várias conversas em castelhano, em castelhano bêbado cantado, num dialeto africano calado na boca do negão antes sentado ao meu lado.

Entram umas meninas muito borrachas, muito ruidosas, muito cantantes, cheias de olés tão deslocados nesse País Vasco. Reafirmam minha solidão. Em suas palavras , seus barulhos e batidas de botas no chão fazem trocas, cantam em coro, estão acompanhadas. Eu sem o quê ou o quem da companhia ideal (que nunca conhecerei, posto que é ideal), tenho apenas a essas letras tortas e esse ouvido atento. Um chocolate num bolso, o celular, possível antena pro meu outro mundo, no outro. A moça do Renfe fala depois do tututututu e as moças do acento ao lado me olham. Sinto a solidão aumentar, sinto a vontade martelante de estar em minha casa que é já não sei onde. Em minha cama que é qualquer lugar de abrigo.

Pipipipipi. Meus ouvidos querem escutar Santurce, que a estas horas quer dizer descanso, quer dizer sono e companhia dos sonhos, solidão em paz.

As chaves se precipitam para fora do bolso da mochila.

A parte que falta

02.04.2008_

E depois de uma viagem tão boa, com amigos tão queridos, por lugares tão bonitos, eu volto à rotina com a sensação de que algo me falta. Aquele sentimento de coisa nova que deve vir depois dessas experiências ficou grudado e escondido na fresta de algum muro branco das casas de Granada. Eu busquei ele lá e busco agora em minhas memórias.

Em Santiago me ensinaram que escorpianos, como eu, querem tudo em suas profundezas, que não é na superfície que satisfazemos nossas ansiedades. Acho que assim começo a entender as frustrações que sinto depois das viagens.

Ir a lugares bonitos, famosos, é legal sim, mas não parece valer completamente se não acontece uma situação nossa, minha, que outra pessoa que visitou o mesmo lugar não pode contar. Não tem graça se não faz um cleck dentro de mim, se não tenho um momento pqp.

Ficar no raso do turismo me chateia, me parece vazio demais. Claro que não invalida os momentos divertidos que tivemos como grupo (ou trio, no caso :), o sublime das construções e vistas, mas falta o meu, a mudança que o lugar deve provocar em mim. Talvez tenha me faltado conversar mais com as pessoas, essa parte humana, o diálogo que os muros, portas e passagens da Alhambra não podem me dar. É que quando há troca de palavras e nos reconhecemos ou desconhecemos no outro, nos conhecemos também. Eu acho que pode ser assim minha explicação.

De qualquer maneira, acredito que o cleck ainda pode vir depois, em minhas lembranças da viagem, como aconteceu mais ou menos com Paris. Ou talvez eu esteja querendo demais em encontrar a luz sem ter feito o caminho de santiago com meus amigos. :P

Em Bilbao

Pra localizar nossas pessoas queridas na cidade em que estamos vivendo, Edivaldo se deu ao trabalho de montar uma panorâmica feita de cima do parque Etxebarria.




Cliquem na imagem pra vê-la em tamanho grande. :)

Presente de natal tardio



23.03.2008_

Quando é que perigar perder um trem de bilhetes já comprados, passar a noite em claro arrumando a mala e a casa e sair zumbi no frio da madrugada começa a ficar divertido? Quando neva. :)

Nossa desgraça começou quando fomos verificar o ônibus para San Sebastián (de onde saía nosso trem pra Galícia) e descobrimos que já não havia mais plazas. Desespero; enfiei um monte de coisas na mochila, deixei outro tanto pra trás.

E agora? Edi, que consegue pensar mesmo em desespero, saiu fazendo uma penca de ligações e descobriu que podíamos alcançar o trem em Vitoria (uma das três capitais do País Vasco).

Na saída, na correria, no desligar todos os interruptores e levar todos os sacos de lixo, perdemos o Renfe. Mesmo sem dormir, mesmo com folga, perdemos o trem. É, essa é uma das nossas habilidades. Então corremos pra pegar o ônibus. Foi aí que comecei a entender o propósito de tudo aquilo: das janelas amplas vimos todos os montes - não muito, mas também não pouco distantes - nevados. Até agora a neve insistia em cair lá no alto, onde os olhos se perdiam num horizonte de curiosidade infantil. Mas esta noite, em que choveu granizo como em nenhuma outra, ela se mostrou bem ao alcance de nossos olhos, que foram colhendo cada estradinha e telhado nevados com a maior satisfação que se possa imaginar.

E no caminho pra Vitoria, os pinheiros foram ficando confeitados, açúcar fininho nos fazendo ainda mais crianças. E foram virando glacê grossa à medida que a estrada subia. Nossos olhos sem conseguir acreditar num doce daqueles. E na última meia hora de asfalto, finalmente ficamos debaixo da peneira do confeitero, com o açúcar caindo diante mesmo de nossos olhos.

Vitoria era uma cidade branca, toda branca. Ficamos por quase duas horas na estação de trem sem conseguir acreditar que toda aquela nevasca estava ali caindo pra gente. Brincando, jogando, descobrindo que a bola de neve tem o peso exato pra cair na cara do outro, descobrindo que a neve nevando é mesmo uma coisa mágica, que você só consegue ficar admirando com cara de bobo, mas que é incapaz de fotografar ou segurar.

E no fim dessas duas horas de sonho, de presente de Natal americano deslocado três meses, só pude entender que tem coisas que dão errado pra dar certo.








Tem um vídeo da abestalhação da gente no bus pra Vitoria.

Cochabamba II

15.03.2008_

O quase-lide para minha mãe.

Minha mãe fez uma porção de perguntas sobre o post Cochabamba e achei mais do que justo responder. Além disso, é bom pra desenferrujar um pouco a busca jornalística dos fatos, que há muito não ponho em prática.

Pois bem, são 3:57 da madrugada, mas já tô com o ciclo de sono lenhado mesmo, então vamos lá. Enquanto escrevo busco também as preciosas informações. Até onde eu sabia, a greve era por conta de terem colocado a ANV (Aliança Nacinal Vasca) na ilegalidade, processo que parece ter tido início tempos atrás. Edi tá aqui me explicando que, segundo o que Oier disse, a ANV e o PNV (Partido Nacionalista Vasco) outrora já foram uma mesma coisa. Logo houve uma divisão de interesses e também uma divisão de partidos, sendo assim, a ANV ficou como de esquerda e o PNV como de direita (que é o partido que comanda o País Vasco atualmente). Engraçado é que uma ou duas semanas antes da ilegalização do partido acontecer, o Euskadi Comanche, um programa de humor daqui que satiriza o "basque way of life", por assim dizer, fez justamente uma brincadeira cruel que beirava esse tipo de situação: fez passar na tv de um bar a falsa notícia - mas apresentada por uma repórter de verdade chamada Africa Baeta - de que o PNV havia se dissolvido. Dá pra ver a brincadeira e parte do programa no youtube.

Voltando a greve, a partir do momento em que a ANV foi colocada na ilegalidade, convocou-se greve geral. Só que mesmo quem não estava de acordo com os propósitos da greve tinha que fazer parte dela. Tive a oportunidade de ver algumas pessoas comentando, inclusive Oier, que nessas situações os comerciantes, por exemplo, têm que colaborar ou são punidos. Quem não faz greve corre o risco de ter seu estabelecimento pichado ou danificado de alguma forma. No dia seguinte ao da greve todos os bancos levavam pichações.

Perdoem, mas eu não saberia dizer (nem tenho muito pique pra pesquisar agora, quem souber me conta depois) exatamente por que a ANV foi colocada na ilegalidade. O que sei é que em outros tempos o grupo que agora está relacionado ao ETA já fez parte desse partido. E sei também que nessa situação tão particular, os jornais locais publicaram que o ETA mataria até o 9 de março (data das eleições). Daí vieram os medos e a tal ameaça de coche bomba, que não, no fim das contas não explodiu porque não existia.

A greve sim ocorreu como previsto, mas com menos transtornos do que eu imaginava. No fim do dia podemos ver alguns conflitos violentos no noticiário, mas de perto não vimos nada. O pessoal aqui é expert em manifestações callejeras, vaya* povinho pra gostar de manifestação! A greve foi organizada, muito bem organizada até, os transportes ficaram mais escassos, mas ninguém teve que ir a pé pra canto nenhum - como temíamos eu e o meu colega de buzu, a determinada hora do dia todos saíram às ruas com cartazes, megafones e gritos "Euskal Herria Aurrera" (liberdade para o país basco) como sempre.

E no dia seguinte, um sexta feira, ninguém enforcou pra fazer feriadão.

*Ugo acabou de me perguntar o que é esse vaya, e pra já responder de uma vez a outros que venham a perguntar também, é tipo "eta povinho...". Mas eu não quis escrever isso pra não confundir... :P

Noite insone



11.03.2008_

Papel e caneta no quarto. Se a frase já foi criada, ela tem que sair. Eu me digo a todo o tempo pra baixar a frequência, mas meus olhos teimam em seguir os ruídos dos pisos vizinhos. E a cabeça não roda mais devagar: que fariam às quase 4 desse lado do atlântico?

Baixar a frequência. Em quê eu pensava um minuto atrás? Quantos planos e idéias fantásticas já tive enquanto rolo nesse colchão? Baixar a frequência. Acho que era uma cadeira sendo arrastada. O chá esfriou até a temperatura idêntica a da boca, quando isso acontece, quase não dá pra sentir ele escorregando até descer pela garganta.

Baixar a frequência. O Guia do Mochileiro das Galáxias só diz que uma toalha é peça - e até ferramenta ou instrumento, imprescindível porque não conhece a canga.

Pablito, que agora ocupa seu lugar, fica me espiando com esses olhinhos pequenos (de sono?).

Cochabamba

13.02.2008

Conversam dois trabajadores vascos no ônibus na véspera da greve geral, convocada pro dia 14 de fevereiro:
- ¡Aupa! ¿Y mañana?
- ¿Mañana qué? A principio voy a trabajar.
- Pues por la tarde hacemos una movida, ¿eh? Que hoy estábamos en Gordodiz e nos cortaram...
E logo as palavras se perdem entre o dito e o escrito e só ouço uma frase que concorda com meus princípios políticos e religiosos: andando no voy a venir.

Estou no País Vasco. Quando a Assistência para Assuntos Internacionais da UFBA me ligou e disse que tinha uma vaga na UPV (Universidad del País Vasco) eu topei na hora e assim que desliguei a única coisa que pensei foi: mas não é o lugar do ETA? É.

O ETA está, sim, presente na vida da população, mas não com tanta força quanto podemos imaginar. Se lê eta em alguns ou muitos muros, mas logo quem mora durante qualquer pouco tempo no País Vasco entende que eta é a partícula de conjunção "e" em euskera, o idioma vasco. Que não, a maioria dos muros que leva um eta na cara não foi pichado por terroristas (como um turista desavisado entendeu e publicou no blogue). A bem da verdade é que fora saber que o ETA é daqui, esquecemos do terrorismo. Os pedidos de autonomia sim que estão em todos os postes, janelas, sacadas, carros... Mas no ETA ninguém pensa todo dia. Eu não pensava.

Que tal estar num trem voltando pra casa a noite e ouvir "por motivos de seguridad el tren no va a parar en la estación de Peñota (do lado de Santurce, minha casa). O bien bajáis en Portugalete o bien bajáis en Santurce". Sim, aí o medo veio e eu pensei que coño* poderia estar acontecendo.
Quando chegamos na estação, um pouco de furdunço vasco. Uma coisa assim um pouco mais educada do que nossos conetrrâneos tentando enxergar um acidente, mas a mesma curiosidade pela desgraça. Enquantou baixou a polícia, os bombeiros e a SET daqui, Santurce em peso desceu pra ver o que passava (como quando houve os 5 dias e 5 noites de guerra contra os pássaros**, que Ugo descreveu muito bem no blogue dele). Porto isolado, trânsito desviado, povo contido no parque. Moço, o que tá acontecendo?, perguntei. Amenaza de coche bomba. Cochabamba?, ouvi Ugo fazer a piada no meu ouvido esquerdo. É, carro-bomba.

Pode até ser que desgraça seja ponto de interesse no mundo inteiro, mas eu prefiro ficar quietinha no conforto e segurança de casa.


* Coño é b#c3t@ em castelhano, e aqui sai da boca do povo como nosso porra. Já se esqueceu o significado da palavra, é usada no lugar de qualquer outra coisa e em qualquer lugar.
** Por 5 dias choveu titica em Santurtzi. Eu, aplicada estudante de fotoperiodismo, fui no parque buscar a notícia da luta da prefeitura contra os invasores. Quando cheguei lá embaixo dei de cara com metade da população do pueblo sentada nos bancos, preparada com grada-chuvas e chapéus pro espetáculo do ataque aos pássaros. Sorte que tinha o gorro do casaco, porque levei uma rajada direto na cabeça.
--> Um exemplo do terrorismo do eta na propaganda da Universidad de Deusto. :P

Na igreja de Monza

30.12.2008_

Hoje eu tive um momento de epifania na igreja de Monza. Um lugar sem nada de histórico aparente, com tetos e arcos muitíssimo menores que os da Basílica de São Pedro, quase nenhum ouro... Mas me deu um troço entrar naquela igreja quentinha com cheiro de incenso, órgão tocando, velinhas e velhinhas à porta, cada parede impecavelmente coberta de pinturas. A paz, a coisa que eu senti ali foi estrannha para uma pessoa não católica e compreensível para alguém que passou algumas tardes da infância indo pra missa com a vó. Claro que eu não pedia pra ir, claro que eu não gostava de ir, mas aqui, no meio de tanta estranheza (mesmo que boa, mas estranheza), um ambiente que me deu tantas sensações de referências familiares foi reconfortante e também assustador.

E as lembranças me vieram como que flutuando no ar inspirado, me vieram tantas delas que fiquei grudada num banco ao fundo da igreja por muitos minutos. Eram memórias que sempre estiveram ali no ar da igreja, pairando, me esperando... E eu me vi menor que minha vó, numa época em que ela me dava a "asa" e não o contrário. E aí eu sentia as ruguinhas suadas do seu braço macio, atravessava as ruas confiando na firmeza dela (firmeza constante e permanente ) e subíamos os degraus para as pesadas portas verdes da Catedral. Muitas vezes a minha outra mão estava dada à mão de dedos gordinhos de Jú ou à de dedinhos ainda grudados de Rafa. E por tudo isso ir à igreja era chato mas era bom. Eu e Jú nos sentávamos juntas naquelas cadeiras largas que beiram o altar, brincávamos com o leque de minha vó, inventávamos histórias cochichadas, fazíamos os terços de colar, entendíamos pouca coisa da missa (mas alguma coisa, pois P. Antônio sempre se faz entender de alguma forma) e ouvíamos vários, muitos "shius" da cadeira ao lado.

Com o passar dos anos já não cabíamos mais na cadeira; os ossos dos quadris ficavam doídos de se bater e apertar no braço de madeira e a nossa não vontade de ir à igreja aprendeu a se impor.

Ao piso torna

10.01.2008_

Depois de vinte dias de boa viagem voltamos pra casa. Pela primeira vez vimos nosso apê realmente como um lar. Falo no plural porque foi realmente um sentimento compartilhado; durante os últimos dias de vagem uma vez um, outra vez outro, sentia saudade do colchão, de se enxugar com a própria toalha (e não com Body dry), de dormir "até se aborrecer", de tomar banho num chuveiro normal (em nossas hospedagens tínhamos que segurar a ducha)...

Claro que não tenho como contar dia a dia da viagem, mas vou passando a limpo textos e fotos por aqui (e também no http://www.flickr.com/photos/ninaneves). Só para registro, nosso roteiro foi Veneza, Florença, Roma, um dia em Concoreza, o pueblo dos amigos de B, perto do aeroporto de Milão, com visita a Monza (do autódromo) e por último Paris. Pelo caminho Tici e Edi passaram também em Bologna e Pisa.