Letra a, vamo começar


Uma vez a gente plim, outra tem que blá blá blá já era meu há tempos e tempos, mas nunca tinha tido coragem de vir aqui e postar um á. Pois precisei sair de casa e ter reflexões sobre o hoje, o amanhã e o além pra ter qualquer pique de tentar produzir (até aqui só reproduzir) algo.

Agora são meia noite e 11 do dia 26 de dezembro de 2007 - sempre me confundo com essa coisa de meia noite: é noite do 25, mas meia noite do 26, certo?, a temperatura externa ao apartamento onde estou em Roma é de 7 graus, aqui dentro pelo menos 10 a mais.

Na sala de Marzia, Ugo está no pc dele me mandando uma foto do lustre legal daqui, Edi e B conversam sobre os destinos profissionais que tomaram nossos colegas faconianos, Tici participa vez por outra enquanto resiste ao sono recostada numa cadeira que desconfiamos encontrada na rua, Keke conversa com uma amiga, Mama Franca já foi deitar. Tudo que conhecemos de Roma até agora se resume a algumas estações de trem e metrô e as imediações da casa das queridas sorele calabrese onde estamos pousados. Mas nossa ignorância só dura até amanhã, juro. Tivemos um Natal calabro-baiano que se prolongou até hoje e nos impossibilitou de assumir os devidos postos de turistões. Poucas vezes na minha vida vi tanta comida ( quesito "pó comer que tem mais lá dentro") e gente comendo tanto (quesito comendo o dia inteiro a intervalos de no máximo meia hora). Por isso sempre digo que da gringalhada toda só os italianos têm aquela felicidade de comer como a nossa, aquela luz que se acende no rosto quando sentimos um cheiro gostoso vindo da cozinha ou um gosto veramente bom tocando a língua. Acho que até vejo de canto de olho umas duas bocas mastigando...

Bueno, como é tarde e isso aqui era só um primeiro "ok, lobos do mar", vou acabando, vale? Boa noite e passa mais um paozinho com n´duja.

24.09.2007_

Havia muitos, muitos anos que eu nao acordava com o dia ainda tao escuro pra ir pra "escola". Acho que só em Conquista no horário de verao. Pois é isso, nas últimas semanas tenho visto o sol nascer de dentro do ônibus, larajao no horizonte de neblina, cada dia mais tarde. O ônibus sai de Santurtzi as 8hs, quase sempre em pontíssimo, passa por Portugalete (uma cidade vizinha muy maja), Barakaldo e pega uma autovia até Leioa. É aí que vemos o sol lá longe. E nao é aquele sol quentinho, que vai batendo e amornando tudo, a temperatura do ar fica indiferente a ele nesse comeco de manha.

Desde a segunda semana de aula do curso de espanhol já saia fumacinha dos nossos hálitos. Tabaréis tropicais que somos, nao paramos de brincar com isso.

Acordei com um bom-humor atípico hoje, talvez por ser o primeiro dia de aula da faculdade. Vim tagalerando muito no ônibus, contando pra Edi histórias da família e caricaturando parentes queridos enquanto Tici dormia do meu lado. O movimento na faculdade estava bem diferente do que nos dias do cruso de espanhol. Bem diferente também - nao dá pra nao comparar - do movimento da Facom, onde todo mundo conversa com todo mundo, conversa em panelinhas e tem um burburinho de primeiro dia de aula no prédio inteiro. Enquanto escrevia o primeiro parágrafo eu tava sentada no pátio interno da faculdade de Ciencias Sociales y de la Comunicación e pensei em como tenho tido vontade de mostrar a vocês os tipos daqui. As pessoas se vestem e se penteiam de uma maneira muito engracada, tipo "super fashion", com tudo muito colorido. Algumas mulheres sao bem elegantes, mas a maioria é mais essa coisa fashion mesmo; de forma geral sao todas muito produzidas. Aí nosotros, latinoamericanos e soteropolitanos praieros, quase sempre passamos de esculhambados e lechéis. Apesar de ter vivido por 7 anos em Conquista, a cidade mais metida da Bahia, os "alpes baianos" como algum repórter do BA TV um dia teve a infelicidade de denominar, nao consegui o dom de me vestir linda e elegantemente no tempo mais frio.

Bem, aqui tenho que falar das lojas. :) Se Jú tiver lendo isso tá rindo, e minha mae pensando em Jú lendo isso. Foi uma loucura ir nas lojas de roupa daqui porque é tudo muito legal e quando chegamos ainda tinha muita coisa em rebajas. Aí pra nos controlarmos só multiplicando o preco de tudo por 3. Só lembro das minhas amigas queridas a las quales les gusta comprar. Detalhe indecente: as calcinhas aqui ssao 8 ou 80, ou é fio-dental ou é calçolão.

Espero que eu possa pegar a câmera da faculdade como fazia na Facom porque aqui tem muuuuita coisa boa fotografar. Mas é coisa digna de ensaio, as quais minhas câmerazinha infelizmente nao é capaz de capturar bem. Quero fotografar os lugares, mas tenho querido mesmo é fazer retratos. Tinha alguns colegas intercambistas no curso de espanhol com caras muito curiosas. Um alemao que parecia saído direto de um filme de guerra, aquele tipo que no fim ganha medalha de qualquer coisa, super penteadinho de brilhantina, alto, seco, com a blusa por dentro da calca. Lembro de minha mae quando penso nele porque acho que ela também gostaria dessa cara. Tem Wojtek também, um polaco rasta que já apareceu em uma ou outra foto aqui. Outro dia minha mae disse que ele vai dar um ótimo Papai Noel quando ficar velho.

ps: eu escrevi isso quando ainda era uma inocente caloura e nao sabia que na UPV nao tem câmeras fotográfica. É, nao tem câmeras. Amem e aproveitem a Facom.

Último dia de verão, domingo de chuva

10.09.2007 _

É uma pena que ainda nao tenha tido tempo nem calma para falar das pequenas lembrancas que tenho de todos durante o dia.

Agora escrevo numa folha de caderno o que ando pensando, porque computador tem sido um artigo raro e disputado entre nós.

Ultimamente me sinto um pouco menos empolgada, tô comecando a aterrissar de verdade, nem tudo é mais novidade e sinto que a vida real tá batendo na porta (nao de um apartamento porque ainda nao estou no meu). "Piso" é a palavra que mais usamos desde que chegamos aqui. Conjugamos o "buscar piso" ainda em Salvador e só agora finalmente encontramos o nosso canto. Eu é que nao encontro mais meu canto em mim.

Toda a mudanca que está acontecendo é muito estranha. E a parte mais complicada nao é nem estar longe de todas as pessoas queridas ou tendo que me virar, mas é que tenho escrito muito no plural, vivido muito no plural e às vezes fico perdida mesmo no meio de tanta coletividade. O que é contraditório, já que eu tenho que ser muito eu mesma pra existir no meio de tanta gente... Mas é assim.

Outro dia Tici falou de uma coisa que eu já tinha sentido mas ainda nao tinha elaborado: como temos falado muito em espanhol e ainda nao nos expressamos perfeitamente na nova língua, parece que somos menos nós. E lá vou eu conjugando a primeira do plural de novo...

Quero contar sobre tanta coisa boba e também subjetiva que fico perdida! A verdade é que eu gostaria de ter o deslumbramento necessário pra falar das experiências de cada dia, de todo detalhezinho, mas nao tenho. O hábito me faz esquecer de dizer que todo mundo aqui bebe água da torneira, que nas casas tem água quente em todos os lugares, que o povo come semente de girassol o tempo todo e que essa é a maior sujeira que se vê pela rua... Mas bem, tenho que pedir pra ninguém esperar diário de bordo meu. Vamos combinar que vou escrever quando convir, sem muita ordem cronológica ou sei lá quê (apesar d´eu tentar isso a todo momento), meu esforco vai ser pra falar do que salta aos olhos e ao coracao. :)