Hamam - o banho turco



11.06.2008_

Antes que as memórias comecem a se apagar eu preciso escrever, Não posso correr o risco de esperar a inspiração chegar.

Pois então, é que eu fui no banho turco, o Hamam, lá em Marrakech. Lahcen, nosso querido guia, nos explicou antes que o processo consistia em um lugar com várias saunas, umas 4, ligadas através de um corredor, a do fundo mais quente até chegar na da entrada, a mais fria. Ele nos falou da parte masculina, que é o que conhece: os meninos deveriam ficar de cueca, comprar um sabão artesanal e ir para a sala mais quente. A idéia é que os poros abram para que a pele morta saia através de um gomage - uma espécie de esfoliação - que alguém te faz.

Certo, tudo entendido, nos encontramos aqui fora em meia hora. E lá fomos nós pro lado das moças, nós 3, meninas ocidentais e ocidentalizadas. Eu estava confiando no meu francês tosco para fazer qualquer comunicação necessária - afinal ele tinha me servido bem nos dias anteriores.

Não poderia ter fotografado aquele ambiente porque as moças transitavam ali vestindo apenas calcinha e um elástico que prendia os cabelos, mas tentarei descrever. O ar era umidamente pesado por causa das saunas, os azuleijos da entrada eram azuis e cobriam as paredes até o teto, havia um balcão sem ninguém detrás, uma senhora muito velhinha e encurvada debulhava feijões verdes à minha esquerda (lembrando uma senhora que faz a mesma coisa no Garcia, perto do Bradesco). Logo adiante tinha outra velhinha detrás d'uma mesa baixa vendendo os sabonetes (a 2 dirhans* cada) e outras coisas que não identifiquei. Ela estava no limite entre o primeiro salão e uma outra sala menor, entendi que era ali onde as mulheres deixavam seus pertences e também se despiam e vestiam. Tinha bastante gente até, e era um lugar bem iluminado.

Eu fiquei meio atordoada nesse primeiro momento, tentando administrar tantas informações novas, tantos preconceitos querendo vir à tona, cheirando o ar para ver se algo me diria pra sair dali e ainda lidando com a responsabilidade pelas outras duas, já que eu era o canal de comunicação.

Não sei se nos pusemos caras de nojinho ocidental ou de surpresa, mas sei que causamos sensação, me senti muito gringa, todas nos olhavam. Tentei buscar com quem falar, a administradora do negócio, até entender que aquilo ali não era exatamente um negócio. Perguntei à velhinha dos feijões o que devíamos fazer ou algo parecido, ela não me entendeu bem, mas tentou responder, só que o francês dela me era incompreensível. Tentei o contato com outras: nada. O francês delas era árabe. Aí uma mocinha mais ou menos da nossa idade percebeu nossas caras de "como é que faz?" e veio nos ajudar. Explicou que a gente devia deixar nossas coisas ali naquela salinha, pegar um sabão e um balde e entrar; pagaríamos no final. Eu agradeci, ela se despediu. Tinha uma cara fresca e limpa, de quem acaba de tomar um banho dos bons. Já estava vestida, os cabelos molhados presos, saiu.

Deixamos nossas coisas juntas num vão da parede, pegamos nossos sabonetes - eles eram amarronzados, com cheiro daquele sabão de roupas amarelo e molinhos, deviam ter gordura animal... Antes de alcançarmos nossos baldes, veio de lá uma mulher (só de calcinha, como todas) e nos perguntou se queríamos o gomage, que isso só nos custaria 3 dirhans. Nos olhamos. Rapidamente trocamos informações, já não lembro se faladas ou só olhadas, e dissemos que não, obrigada, só queríamos o banho mesmo. Sim, a verdade é que a idéia de ter uma pessoa estranha, naquele lugar raro, nos esfregando o corpo não nos agradou muito. Agora eu vejo que fomos bobas, fresquinhas mesmo, que afinal de contas tanta gente paga muitíssimo mais que 3 dirhans por uma massagem. Mas naquele momento, na falta do guia, nos sentimos inseguras.

Pegamos nossos baldes e entramos no primeiro quarto, demoramos um tico pra entender o processo, que deveríamos ir até o final do corredor, para o quarto mais quente. As meninas não aguentaram o calor e paramos na penúltima sauna. Enchemos nossos baldes de água bem quente e tomamos banho com o sabão artesanal. A moça que o ofereceu o gomage me mandou tirar o sutiã, eu obedeci, claro. No chão dessa sala estavam umas três mulheres deitadas sobre suas esteiras sendo esfregadas vigorosamente por outras mulheres com uma buchinha. Pensamos aliviadas que realmente tinha sido melhor não optar pelo gomage, que já pensou, elas esfregam essas buchas em todo mundo...

E fomos seguindo pelas saunas até terminar nosso hamam. A sensação foi realmebte gostosa, mas me faltou a esfregação pra sentir a limpeza até a alma.

Enquanto nos vestíamos percebi que velhinha do sabão vendia também xampú, condicionador e... A bucha. A bucha não era reaproveitada, podíamos ter comprado as nossas. Como fez falta ter um guia ali!

Na saída, a moça que nos ofereceu o gomage se despediu e disse algo, meio em francês meio em árabe meio em gestual universal, como "vocês são uns pitéis!". hehe

Tomamos um suco de laranja (natural! hmmm) enquanto esperávamos os meninos. Eles saíram metidos com suas peles de pêssego. Me prometi que quando voltar no Marrocos faço um hamam completo.


*1 euro vale aproximadamente 11 dirhans.


Os meninos estão convidados a comentar a experiência deles, se quiserem, claro. :)

A foto que não tirei

03.05.2008_

Sentada no no assento azul do RER de Paris, na minha frente meu anfitrião, amigo de infância, do lado de fora um dia inacreditavelmente ensolarado. Olho pros bancos do outro lado do corredor e vejo uma moça muito bonita no ponto antípoda ao meu. Cabelos cuidadosamente cacheados, argolas grandes, ela fala distraidamente no celular.

Do outro vagão vem um cara esfarrapado, com sacolas plásticas penduradas nas mãos e nos braços e voz de choro, pára ao lado e atrás de onde está sentada a moça. Ele começa o discurso típico de pedintes, faz que limpa lágrimas, fala dos filhos que ninguém acredita que realmente tem.

A moça desliga o telefone e logo apita a chegada de uma mensagem. Eu enquadro os dois num quadro meio torto, mas que serve. Ela dá um sorrisinho de satisfação ao ler o que veio, o mendigo estende a mão. Faço click.

Passando a limpo sentimentos antigos de outro dia

30.04.2008_

Não me sinto pronta pra voltar ao european way of life. Fico querendo me vestir de Marrocos (ou Marrakech) pra ver se volto no tempo, fico querendo não sentir os cheiros daqui, não ver as caras bascas, busco um grãozinho de areia em algum canto do meu corpo e roupas.
Essa sensação de não pertencimento aos lugares em que estou já é velha conhecida. Mas lá no deserto, um lugar tão grande, tão especial, onde não vi bandeiras e cercas fincadas*, me senti dele e ele meu.
O deserto não é deserto. Com o passar das horas aprendi a reconhecer os donos das pegadas na areia, a ter a areia como parte de mim, a tornar meu coração cheio de deserto.

* Esse sentimento veio na ignorância do conflito pelas terras do deserto, mas é justificável, porque a falta de limites e marcas visíveis naquele território dá uma sensação de liberdade que é real, muito real.