Cochabamba II

15.03.2008_

O quase-lide para minha mãe.

Minha mãe fez uma porção de perguntas sobre o post Cochabamba e achei mais do que justo responder. Além disso, é bom pra desenferrujar um pouco a busca jornalística dos fatos, que há muito não ponho em prática.

Pois bem, são 3:57 da madrugada, mas já tô com o ciclo de sono lenhado mesmo, então vamos lá. Enquanto escrevo busco também as preciosas informações. Até onde eu sabia, a greve era por conta de terem colocado a ANV (Aliança Nacinal Vasca) na ilegalidade, processo que parece ter tido início tempos atrás. Edi tá aqui me explicando que, segundo o que Oier disse, a ANV e o PNV (Partido Nacionalista Vasco) outrora já foram uma mesma coisa. Logo houve uma divisão de interesses e também uma divisão de partidos, sendo assim, a ANV ficou como de esquerda e o PNV como de direita (que é o partido que comanda o País Vasco atualmente). Engraçado é que uma ou duas semanas antes da ilegalização do partido acontecer, o Euskadi Comanche, um programa de humor daqui que satiriza o "basque way of life", por assim dizer, fez justamente uma brincadeira cruel que beirava esse tipo de situação: fez passar na tv de um bar a falsa notícia - mas apresentada por uma repórter de verdade chamada Africa Baeta - de que o PNV havia se dissolvido. Dá pra ver a brincadeira e parte do programa no youtube.

Voltando a greve, a partir do momento em que a ANV foi colocada na ilegalidade, convocou-se greve geral. Só que mesmo quem não estava de acordo com os propósitos da greve tinha que fazer parte dela. Tive a oportunidade de ver algumas pessoas comentando, inclusive Oier, que nessas situações os comerciantes, por exemplo, têm que colaborar ou são punidos. Quem não faz greve corre o risco de ter seu estabelecimento pichado ou danificado de alguma forma. No dia seguinte ao da greve todos os bancos levavam pichações.

Perdoem, mas eu não saberia dizer (nem tenho muito pique pra pesquisar agora, quem souber me conta depois) exatamente por que a ANV foi colocada na ilegalidade. O que sei é que em outros tempos o grupo que agora está relacionado ao ETA já fez parte desse partido. E sei também que nessa situação tão particular, os jornais locais publicaram que o ETA mataria até o 9 de março (data das eleições). Daí vieram os medos e a tal ameaça de coche bomba, que não, no fim das contas não explodiu porque não existia.

A greve sim ocorreu como previsto, mas com menos transtornos do que eu imaginava. No fim do dia podemos ver alguns conflitos violentos no noticiário, mas de perto não vimos nada. O pessoal aqui é expert em manifestações callejeras, vaya* povinho pra gostar de manifestação! A greve foi organizada, muito bem organizada até, os transportes ficaram mais escassos, mas ninguém teve que ir a pé pra canto nenhum - como temíamos eu e o meu colega de buzu, a determinada hora do dia todos saíram às ruas com cartazes, megafones e gritos "Euskal Herria Aurrera" (liberdade para o país basco) como sempre.

E no dia seguinte, um sexta feira, ninguém enforcou pra fazer feriadão.

*Ugo acabou de me perguntar o que é esse vaya, e pra já responder de uma vez a outros que venham a perguntar também, é tipo "eta povinho...". Mas eu não quis escrever isso pra não confundir... :P

Noite insone



11.03.2008_

Papel e caneta no quarto. Se a frase já foi criada, ela tem que sair. Eu me digo a todo o tempo pra baixar a frequência, mas meus olhos teimam em seguir os ruídos dos pisos vizinhos. E a cabeça não roda mais devagar: que fariam às quase 4 desse lado do atlântico?

Baixar a frequência. Em quê eu pensava um minuto atrás? Quantos planos e idéias fantásticas já tive enquanto rolo nesse colchão? Baixar a frequência. Acho que era uma cadeira sendo arrastada. O chá esfriou até a temperatura idêntica a da boca, quando isso acontece, quase não dá pra sentir ele escorregando até descer pela garganta.

Baixar a frequência. O Guia do Mochileiro das Galáxias só diz que uma toalha é peça - e até ferramenta ou instrumento, imprescindível porque não conhece a canga.

Pablito, que agora ocupa seu lugar, fica me espiando com esses olhinhos pequenos (de sono?).

Cochabamba

13.02.2008

Conversam dois trabajadores vascos no ônibus na véspera da greve geral, convocada pro dia 14 de fevereiro:
- ¡Aupa! ¿Y mañana?
- ¿Mañana qué? A principio voy a trabajar.
- Pues por la tarde hacemos una movida, ¿eh? Que hoy estábamos en Gordodiz e nos cortaram...
E logo as palavras se perdem entre o dito e o escrito e só ouço uma frase que concorda com meus princípios políticos e religiosos: andando no voy a venir.

Estou no País Vasco. Quando a Assistência para Assuntos Internacionais da UFBA me ligou e disse que tinha uma vaga na UPV (Universidad del País Vasco) eu topei na hora e assim que desliguei a única coisa que pensei foi: mas não é o lugar do ETA? É.

O ETA está, sim, presente na vida da população, mas não com tanta força quanto podemos imaginar. Se lê eta em alguns ou muitos muros, mas logo quem mora durante qualquer pouco tempo no País Vasco entende que eta é a partícula de conjunção "e" em euskera, o idioma vasco. Que não, a maioria dos muros que leva um eta na cara não foi pichado por terroristas (como um turista desavisado entendeu e publicou no blogue). A bem da verdade é que fora saber que o ETA é daqui, esquecemos do terrorismo. Os pedidos de autonomia sim que estão em todos os postes, janelas, sacadas, carros... Mas no ETA ninguém pensa todo dia. Eu não pensava.

Que tal estar num trem voltando pra casa a noite e ouvir "por motivos de seguridad el tren no va a parar en la estación de Peñota (do lado de Santurce, minha casa). O bien bajáis en Portugalete o bien bajáis en Santurce". Sim, aí o medo veio e eu pensei que coño* poderia estar acontecendo.
Quando chegamos na estação, um pouco de furdunço vasco. Uma coisa assim um pouco mais educada do que nossos conetrrâneos tentando enxergar um acidente, mas a mesma curiosidade pela desgraça. Enquantou baixou a polícia, os bombeiros e a SET daqui, Santurce em peso desceu pra ver o que passava (como quando houve os 5 dias e 5 noites de guerra contra os pássaros**, que Ugo descreveu muito bem no blogue dele). Porto isolado, trânsito desviado, povo contido no parque. Moço, o que tá acontecendo?, perguntei. Amenaza de coche bomba. Cochabamba?, ouvi Ugo fazer a piada no meu ouvido esquerdo. É, carro-bomba.

Pode até ser que desgraça seja ponto de interesse no mundo inteiro, mas eu prefiro ficar quietinha no conforto e segurança de casa.


* Coño é b#c3t@ em castelhano, e aqui sai da boca do povo como nosso porra. Já se esqueceu o significado da palavra, é usada no lugar de qualquer outra coisa e em qualquer lugar.
** Por 5 dias choveu titica em Santurtzi. Eu, aplicada estudante de fotoperiodismo, fui no parque buscar a notícia da luta da prefeitura contra os invasores. Quando cheguei lá embaixo dei de cara com metade da população do pueblo sentada nos bancos, preparada com grada-chuvas e chapéus pro espetáculo do ataque aos pássaros. Sorte que tinha o gorro do casaco, porque levei uma rajada direto na cabeça.
--> Um exemplo do terrorismo do eta na propaganda da Universidad de Deusto. :P