Da volta Marrocos - Espanha


29.04.2008_

Ouvindo a conversa de duas pessoas no ônibus de volta a Bilbao (do caminho Tanger - Madrid, Madrid - Bilbao): o cara faz algum trâmite de documentos para africanos, a mulher fala de uma associação em Sevilla, chamada Acoge, acho. Coincidência que depois de atravessar o estreito meu tema continue na África...

A moça loira ao meu lado é bilbaína, mas vive em Ceuta (cidade espanhola em território marroquino). Trabalha voluntariamente em uma associação lá para arrecadação de fundos destinados a todo Marrocos. Depois de eu conseguir superar a curiosidade passiva e fazer um primeiro contato, ela me diz que existem centros que acolhem crianças marroquinas em toda Espanha, mas em Ceuta e em Melilla (outra cidade espanhola também em território marroquino) não, então sua associação busca isso.

A moça loira com calça marroquina me explica que o Sahara era propriedade espanhola durante a ditadura franquista. Franco, praticamente já em leito de morte, resolveu "regalar" o Sahara ao Marrocos, o problema é que na parte sul do deserto viviam os que aqui chamam sauharis - o que chamaríamos saharianos em português, creio - e logo começou uma guerra pela posse das terras. Grande parte dos sauharis morreu, quem sobrou se refugiou na Argélia. Hoje esses refugiados de guerra vivem dependentes de ajuda humanitária.

Minha companheira loira, que aqui se chama Maite (um nome basco para dizer carinho, ou algo do gênero) e lá se chama Maria - e prefere ser essa, crê que a Espanha deveria ajudar mais o Marrocos porque "estamos tão perto e essa confusão é um pouco nossa resonponsabilidade".

Penso até que ponto esse tipo de sentimento de culpa move os espanhóis a "adotar" crianças africanas para férias, situação que sempre costuma acontecer por aqui, pelo que já soube. A Acoge, que acreditei ter ouvido quando comecei a prestar atenção na conversa de Maite-Maria, deve ser uma das instituições que promove esse tipo de ajuda às famílias africanas. Fica aqui a promessa de procurar saber como se dá esse tipo de processo.

Estivemos poucos dias no Marrocos, em poucos lugares - quero dizer que tenho poucas referências, mas, de tudo que vi, não tive motivos pra sair de lá com pena daquele povo, não mesmo. Existe muita pobreza, mas nada que me chocasse de verdade. Pelo caminho do trem de Casablanca a Marrakech vi cidades muito pobres, ruas descalçadas e meninos descalços jogando bola na poeira do barro como em qualquer cidade do interior da Bahia. Tirando a tapeçaria vez por outra pendurada nas janelas, uns mosaicos e telhados diferentes, poderia ser Jequié ou bairros altos de Conquista. E vejam bem que pelo menos eu estava num trem! Há linhas de trem cortando o Marrocos de cima a baixo. O único trem que já estive na Bahia foi o Calçada-Paripe em Salvador, sabemos que suas condições são realmente ruins.

O contraste mais evidente que vi foi o dos telhados: baixinhos, estão quarados de antenas parabólicas e, a la vez, pedras segurando as bordas das telhas de eternit. Mas, bem, as pessoas com quem tive contato me pareceram felizes, na medida do possível, felizes. O sorriso vem fácil, vêm olhares envergonhados, curiosos, mas humanos, tão humanos como não vejo nas ruas de Bilbao, em que as pessoas passam, não se olham, não se tocam, não se falam. Lá senti que não hacía falta falar, era bastante olhar e ver que tinha gente ali.



Foto modificada a pedido de meu pai.

Mais fotos em: http://picasaweb.google.com/ninaneves/Marrocos

4 comentarios:

Roberto Ivo das Neves dijo...

gostei muito das comparações, mas senti falta de uma ou duas fotos ilustrando os meninos ou os sorrisos ou os telhados. melhor seria uma dessas do que a foto que aparece que não vi nada dela no texto.
a narrativa toda, adorei. vi vc na viagem conversando o tempo todo.
beijo.

Lígia dijo...

Muito interessantes suas reflexões. Desde que vi as fotos da viagem ao Marrocos fiquei pensando neste nosso mundo globalizado, nas coisas que são ou estão globalizadas e naquelas que nunca (?) o serão. Gostaria de ler algo mais demorado sobre a viagem ao Marrocos, o que viu, sentiu, a experiência do deserto e o que mais você achar importante. Beijo, meu bem.

Ugo Sangiorgi dijo...

... e pelo fato de precisarem andar apenas com os olhos à mostra, talvez o povo do deserto tenha aprendido a falar com os olhos =)

Tizah dijo...

Olá Nina Neves,
estava aqui fuçando no google qd, sabe Deus como, encontrei seu blog.
Pelo q li entendi q vc mora em San sebastian ou em Bilbao e q é da Bahhheaa.

Meninaaa estou indo morar em san sebastian daqui a 1 mês e moro em Salvador, não sou da facom + tenho amigos q estudam lá e como o nível de comunicação no recinto é grande(olha a redundância facom- comunicação hehe)é capaz de vc conhecer.E por essas coincidências é q gosatria de conversar contigo.
Aguardo contato
Abraço